sábado, 31 de janeiro de 2009

tradição actual

É indiscutivel a importância sócio-cultural da tradição - tem de ser indiscutível! A raiz de um povo, a história de uma região... Mas estará a tradição condenada a ser um arquivo de memórias?... Existirá algo que possa ser considerado de tradição activa?...

A música, a dança, os costumes de raíz surgem associados ao quotidiano das pessoas: cantava-se no trabalho para marcar o ritmo e dançava-se na eira para comemorar a colheita. Hoje em dia, a música e a dança deixaram de estar associadas à actividade quotidiana, perdeu-se a espontaneidade... perdeu-se a tradição. Desta forma, a tradição afunda-se , cada vez mais, no baú das memórias...

Mas esse baú empoeirado está repleto de material rico e diversificado que pode ser recuperado. No entanto, não podemos recuar no tempo, ignorar todas as influências exteriores que recebemos e, esperar que, de repente, desatemos todos aos saltos na praça a dançar o vira na saída do trabalho ou a entoar o cante alentejano, de braços dados, na paragem do autocarro! A recuperação da tradição, passa obrigatoriamente por uma nova interpretação.

O músico não tem de ser antropólogo, mas, ainda que a sua preocupação não seja documental, a tradição oferece-lhe um manancial de material de trabalho único. Ou seja, quer por valores antropológicos, quer por valores puramente artísticos, a procura da memória é um campo que ainda tem muito que dar.

O vira e o cante são antiquados?!... A gaita e o cavaquinho estão fora de moda?!... Actualizemo-los! Enquadremo-los num novo contexto, olhemos para eles com novos olhos, ouçámo-los com novas sonoridades. Ganha o artista que consegue um novo trabalho e ganha o público que recebe um pouco mais de si.

Eu acho que o contributo que nós podemos dar é de assumir que temos coisas absolutamente fabulosas em termos de tradição seja na música seja noutras áreas e que é preciso perdermos o medo de mexer com elas, ou seja pegar nelas ,trazê-las para o quotidiano e construir uma nova identidade a partir delas. Penso que a haver uma lição se assim se pode dizer - e isso também é uma lição que já partilhamos há uns anos - a lição é essa, ou seja, temos de deixar, de uma vez por todas, de termos vergonha de sermos portugueses.

[João Aguardela (1969-2009), recordado no Portugália de 19/Jan]

Muito bem dito!

João Aguardela morreu há duas semanas. Conhecido de todos pela voz da Vida de Marinheiro e do Vamos ao Circo. Reconhecido por alguns como um músico inovador com preocupações culturais. Fazeis alguma ideia do que estou a falar? Quantos de vós conhecem o projecto Megafone? Espreitem lá o Aboio, que deve ter sido a música mais passada.

2 comentários:

Limon Head disse...

Acho que na verdade vários músicos portugueses tem tentado renovar os sons tradicionais. Por exemplo os Sétima Legião eram um grupo de música céltica/portuguesa, (Sete mares, invoca o mar, vento norte, angustia, saudade, bem típico da musica norte litoral/galega). O Vitorino tem feito um bom trabalho com a musica alentejana e vários grupos de rock português tem reavivado várias musicas tradicionais, muitas das quais não nos apercebemos. Está bem que a dança tradicional desaparece quando se adapta um estilo, mas isso pode ser preservado de outra maneira...

cristina disse...

Sim, sim, há vários músicos/grupos que, quer pelos, instrumentos, sonoridade ou repertório, sabem aproveitar aquilo que a tradição nos dá. Nem tudo vai mal neste Portugal! =D Falta que mais artistas se apercebam dessa riqueza e que mais público reconheça o seu valor.

Uma correcção: também a dança pode também ser preservada, ainda que a sonoridade seja adaptada:
http://www.myspace.com/omirisound
isto é completamente bailável e, aliás, tem o repasseado (dança portuguesa de Miranda) certamente mais dançado nos bailes dos centros urbanos.
[Para os curiosos, a coisa resulta mais ou menos assim:
http://www.youtube.com/watch?v=2JTyB9Ajmvs
vídeo no final de um workshop português num festival belga.]